E como falar disso
Que me habito
Que me sinto e sinto a respeito de mim
Que toda dor que sinto e quando sinto alegria
É tudo relativo
Porque sei que estando vivo
Gosto, de tudo isso, muito mais de mim
Seja a dor ou a tristeza
Eis como existo e amo existir
Existir com tanta existência
Tanta intensidade
Irrompe a liberdade de ser
Assim quando a mim me reconheço
Penso o pensar
Penso o que penso
E dói como as vísceras arrancadas à força
E de repente um silêncio sepulcral
O silenciamento da dor
Nada dói, nada faz sofrer
Se dói ou se traz algum prazer
Há ainda algo muito superior a tudo isso
Há algo melhor do que doer
Ou deixar de doer
Nada maior que existir
E a vida que venha com sua intensidade
É de peito aberto que a recebo, minha amiga!
Serás minha companheira pelo resto da vida
É triste que tenha descoberto o teu segredo
Esse pesadelo que tentastes incutir em mim
De que é um inferno quando dói
Ou um céu quando experimento prazer
Teu logro... Já se riu desse ridículo
Desse ser assim
Que se estremece ao cair sobre si uma gota de orvalho
Ria, pois, agora haverás de rir
De si mesma, é claro!
Deixe que me rio contigo
Mas ria alto
Porque alto e espontâneo é o meu riso
E nem tentes dizer que é por sua causa
Como se por vingança o quisesse fazer
É que existir se tornara tão raro
Tão caro o que me fizestes viver
Que vivo tão raro
Que não me é caro dizer
Que a morte beije-me os lábios
Que o orvalho toque-me ao amanhecer
Que nesse beijo e nesse frescor
Nessa dor e ou prazer
Há algo ainda muito mais superior
Que me habito, habito a mim
E independe o que sinto
Se calor ou frio
Há um maior e superior a isso
Que existir é mais que existir
E a porta se encontra no abismo mais pro-fundo da dor
Até chegar à angústia de si ou de ser
Ver que podes olhar-te sofrer
Sem, contudo, ser aquele que sofre
Ver que podes sentir o prazer
Sem, contudo, ser aquele que sente
Mas aquele que pensa o sofrer
Que pensa o sentir
Pensa quando existe
E assim faz mais que existir
Chega ser cômico contar certo caso
Perguntara-me um rapaz há pouco
Se isso, eu, era um vício ou o que
Óbvio que me ri secretamente
Era a hora de prestar contas aos olhares alheios
Acho mesmo é que ele nem queria saber
Talvez quisesse a poção mágica ou algo assim
Ou que confessasse eu que do que vivo
Não passa de algo que já foi por muitos visto
Penso que queria ele um pensamento assim
Algo fácil de digerir
Que era só isso...
Mas para mim que nisso não penso
Penso que era exatamente o mais que isso
Que ele queria descobrir
Era eu, o vício de me viver, era o que perguntara
Mas isso perguntara sem saber
Queria mesmo era certificar-se se era a mesma poção mágica
Que um dia bebera e sentira o mesmo que a mim
Ah! Quanta ironia! A de que ele se ria
Ria de si mesmo enquanto desejava,
Não ele mesmo rir, mas que eu mesmo risse de mim
E rimos juntos... eu contente e agradecido
Por ter conhecido amigos assim
Gosto de cada um deles
Amo-os, na verdade
E me rio disso
Quando me vejo amando-os
E se dói ou causa prazer
Há ainda algo muito mais superior que isso
Que existo
Como quem olha para mim quando os amo
E sinto aquela alegria indizível
Por ver o amor existir, assim, tão descarado
Pena de quem não consegue ver
Pena de quem não consegue se ver
Pode ser que amem a vida inteira
Sem que na vida inteira possam por si mesmos serem amados
Cegos, tolos e tolos
Pobres por não terem coragem de dar o salto
De sair para dentro de si
Até onde a dor parecer sufocar
Até ela silenciar-se numa sinfonia
Que nada diz, e nada fala
A sinfonia do nada
O nada do existir
O existir o nada
O nada existir
Eis o humano diante de tudo
Diante do nada
De olhos abertos
De garganta escancarada
Eis o humano diante de si
Do nada que angustia
Peito aberto
Coração dilatado
Eis o humano
Eis a mim
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