terça-feira, 14 de janeiro de 2014

EU QUE ME EXISTO

 

precipicio

 

 

E como falar disso

Que me habito

Que me sinto e sinto a respeito de mim

Que toda dor que sinto e quando sinto alegria

É tudo relativo

Porque sei que estando vivo

Gosto, de tudo isso, muito mais de mim

Seja a dor ou a tristeza

Eis como existo e amo existir

Existir com tanta existência

Tanta intensidade

Irrompe a liberdade de ser

Assim quando a mim me reconheço

Penso o pensar

Penso o que penso

E dói como as vísceras arrancadas à força

E de repente um silêncio sepulcral

O silenciamento da dor

Nada dói, nada faz sofrer

Se dói ou se traz algum prazer

Há ainda algo muito superior a tudo isso

Há algo melhor do que doer

Ou deixar de doer

Nada maior que existir

E a vida que venha com sua intensidade

É de peito aberto que a recebo, minha amiga!

Serás minha companheira pelo resto da vida

É triste que tenha descoberto o teu segredo

Esse pesadelo que tentastes incutir em mim

De que é um inferno quando dói

Ou um céu quando experimento prazer

Teu logro... Já se riu desse ridículo

Desse ser assim

Que se estremece ao cair sobre si uma gota de orvalho

Ria, pois, agora haverás de rir

De si mesma, é claro!

Deixe que me rio contigo

Mas ria alto

Porque alto e espontâneo é o meu riso

E nem tentes dizer que é por sua causa

Como se por vingança o quisesse fazer

É que existir se tornara tão raro

Tão caro o que me fizestes viver

Que vivo tão raro

Que não me é caro dizer

Que a morte beije-me os lábios

Que o orvalho toque-me ao amanhecer

Que nesse beijo e nesse frescor

Nessa dor e ou prazer

Há algo ainda muito mais superior

Que me habito, habito a mim

E independe o que sinto

Se calor ou frio

Há um maior e superior a isso

Que existir é mais que existir

E a porta se encontra no abismo mais pro-fundo da dor

Até chegar à angústia de si ou de ser

Ver que podes olhar-te sofrer

Sem, contudo, ser aquele que sofre

Ver que podes sentir o prazer

Sem, contudo, ser aquele que sente

Mas aquele que pensa o sofrer

Que pensa o sentir

Pensa quando existe

E assim faz mais que existir

Chega ser cômico contar certo caso

Perguntara-me um rapaz há pouco

Se isso, eu, era um vício ou o que

Óbvio que me ri secretamente

Era a hora de prestar contas aos olhares alheios

Acho mesmo é que ele nem queria saber

Talvez quisesse a poção mágica ou algo assim

Ou que confessasse eu que do que vivo

Não passa de algo que já foi por muitos visto

Penso que queria ele um pensamento assim

Algo fácil de digerir

Que era só isso...

Mas para mim que nisso não penso

Penso que era exatamente o mais que isso

Que ele queria descobrir

Era eu, o vício de me viver, era o que perguntara

Mas isso perguntara sem saber

Queria mesmo era certificar-se se era a mesma poção mágica

Que um dia bebera e sentira o mesmo que a mim

Ah! Quanta ironia! A de que ele se ria

Ria de si mesmo enquanto desejava,

Não ele mesmo rir, mas que eu mesmo risse de mim

E rimos juntos... eu contente e agradecido

Por ter conhecido amigos assim

Gosto de cada um deles

Amo-os, na verdade

E me rio disso

Quando me vejo amando-os

E se dói ou causa prazer

Há ainda algo muito mais superior que isso

Que existo

Como quem olha para mim quando os amo

E sinto aquela alegria indizível

Por ver o amor existir, assim, tão descarado

Pena de quem não consegue ver

Pena de quem não consegue se ver

Pode ser que amem a vida inteira

Sem que na vida inteira possam por si mesmos serem amados

Cegos, tolos e tolos

Pobres por não terem coragem de dar o salto

De sair para dentro de si

Até onde a dor parecer sufocar

Até ela silenciar-se numa sinfonia

Que nada diz, e nada fala

A sinfonia do nada

O nada do existir

O existir o nada

O nada existir

Eis o humano diante de tudo

Diante do nada

De olhos abertos

De garganta escancarada

Eis o humano diante de si

Do nada que angustia

Peito aberto

Coração dilatado

Eis o humano

Eis a mim

 

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