É só dor o que aqui digo
São sangramentos, febre, vômitos,
Tontura, vertigens, queda de temperatura
Essa doença mortal da qual nunca se cura
E que nunca mata
Continua tênue, temporalmente eterna e pura
Esse embate que vem de encontro
Um acidente hediondo
Entre “eu” e um “diante de mim”
Novamente encontro teus olhos
Nem rasos, nem profundos
Nem altos, nem baixos
Nem para um lado, nem para um outro
Em teus olhares todas as teses e antíteses estão desfeitos
Entro em outra dimensão
Sem teto nem chão
Sem ambiguidades ou relativismos
Vejo o absurdo
O indizível
Vejo minha morte, meu abismo
Se pulo para fora me arrisco
Se pulo para dentro me arrisco também
Se morro ou se vivo não vem ao caso
Nesse caso, nem a morte pode matar
Nem a vida pode salvar
Tese, antítese
Nem morte, nem vida
Essa linguagem estranha que a tudo confunde
Nunca morri, nunca vivi
Sabe-se lá o que seja isso
Porém és síntese, inaceitável
Síntese do que afinal?
São tantos os caminhos, só quero o único
Não vou falar do amor, desse que nunca conhecerei
Provo e desprovo, exaustivo assim
Quando vejo não sou mais o mesmo
E a sensação de que nunca mudei
Por que me deixastes tão livre?
Por que enfermastes meus olhos com tanta saúde?
És transparência, bondade, leveza
Sou apenas duvida
És toda certeza
Eu que nunca estive certo
Estar de ti tão perto me faz cair
Num profundo nada
Sinto-me absorto
Deve ser isso quando dizem: “Está morto!”
Que morte que nada
nem a sedutora palavra: “Vivo!”
a verdade é que não há palavra
a linguagem se perdeu
se quiser dar nomes terei que dá-los agora
Contudo necessito esquecer que o dizer que me ensinaram
Agora não vale nada...
Nem silêncio, nem palavra
O que é afinal a angústia? O desespero?
Pelo que tenho eu de me angustiar?
Pelo que tenho eu de me desesperar?
Talvez por te perder
Perder o amor
Não morrer, mas matar o que em mim há
Não quero, mesmo!
Não vou!
Não consigo!
Não faz sentido!
E que sentido afinal fará?
Nem quero que faça
Sentindo!
Que me importa que não entenda
Saio à chuva para me molhar
Que sentido há?
Caminho sozinho pelas ruas
Sem endereço ou lugar para chegar
Que sentido há?
São tantas as coisas que faço
Sem mesmo pensar
Sem haver algum sentido
São as melhores coisas que experimento
São as delícias que me chegam
Sem avisar me fazem companhia
Mesmo que nem companhia haja
Quando caminho pela calçada
Lembranças e histórias que estão por aí
Nem lá atrás, no passado, nem em algum lugar ao lado
Estão aí, soltas, sendo levadas pelo vento
Com toda sua brandura
Nos alentos de quem me cura
Cura-me de pensar-me doente
Febre ou tontura
Está, como tudo, cooperando para o meu bem
As mãos do Artífice
Estão sempre aí
Que mais posso desejar ou querer?
Nem desejo, nem vontade
Somente o Hoje
Somente o que me foi dado para ser e estar agora
Não peço mais nada, e um dia eu pedi
Mas negaste-me tudo, Amigo!
Tudo dando-me como sempre pedi
Não conhecia Tua linguagem
Quando disse “Paz!” não sabia o que entenderias
Concedeste-te me Paz, exatamente como queria
Mesmo pensando querer outra paz
A Ti me entrego
Vencido pelo Amor, por Ti mesmo
Pois lutei contra Ti
E deixastes-me vencer
Sem compreender
Vencestes a mim quando tudo entregastes
Quando menor que eu te fizestes
Quando me feristes para o Amor
Quando ajoelhastes aos meus pés
E os lavastes
E o que sou eu depois de Tu?
Depois que cometestes tal ato?
Depois que me arrancastes para fora de mim?
Deixastes a Glória dos homens
Quisestes a Glória do Amor
E de nada gloriastes senão em servir-me
Em lavar-me os pés
Em cansar-me no Amar
E vencestes quando por mim deixastes a Ti mesmo ser vencido
E amastes-me até o fim
E não importa lavar-te os pés
Nem mesmo sentido nisso há
Importa lavar os pés daquela a quem amo
Daquela que roubou meus ânimos
E tocou meu coração
Daquela que com tantos carinhos
Mudou meu caminho
Não tem como a ela não ir em direção
Lembrando-me daquele gesto
Que me ensinastes muito antes
Contudo deu-me tal entendimento
Que nela me conquistastes
Em amor, no meu tempo
Tempo escolhido por Ti
E que nunca mesmo escrevi tal coisa
Fostes Tu que abristes o livro
Fostes Tu que escrevestes esta história
Fostes Tu que me ensinastes o Amor
Não há como esquecer
Não há como ser o que era dantes
Um caminho sem volta depois que me olhastes nos olhos
Encontrastes meu ser e me revelastes
Quem sou e quem Tu és
Fizestes novas todas as coisas
Eis-me aqui
Eis-me aqui
Nenhum comentário:
Postar um comentário