quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A GRAÇA ENTENDÍVEL

misericordia

É quase piegas, a essa altura do campeonato, dizer “A Graça excede o entendimento”. Tão piegas que provoca vergonha alheia por alguém que, nos primeiros sinais de compreensão do Evangelho da Graça, diz isso no meio de muitos que já ouviram tal mensagem há tempos e tempos.

E isso é fato, a Graça excede a todo entendimento. Contudo, há uma Graça entendível. Foi por causa dessa Graça que Cristo foi tão odiado por uns, e tão amado por outros.

Sempre achei que o lugar de justos era no céu. Quantas vezes eu derramei meu próprio sangue para ocupar um lugar desses, ao lado de Deus! Na morada do Criador no Universo! E sua Lei? Quantas vezes me senti alguém diante de Deus por meio dela! Quantas vezes me senti ninguém perante Deus por causa dela!

O meu demônio tem nome: Religiosidade. É assim que o chamo, e o reconheço. E é quase impossível enxergar ele sem que me veja, e é quase impossível enxergar a mim sem vê-lo.

O Cristianismo foi meu berço. Nasci na maldição da apostasia antes mesmo de ter consciência própria. Aprendi a ser “justo”, “santo”, “irrepreensível”, e ao contrário de Paulo não considerei tais coisas como restos fecais. Dava valor a tudo isso com muito, mas muito orgulho. Meu ego se inchava.

Mas Cristo não criou o Cristianismo, e nem neste esteve por um segundo sequer.

É como se eu estivesse vivendo na época Dele, há mais de 2000 anos.

Vejo Ele vindo chamando Mateus, um cobrador de impostos, um extorquista dos pobres e daqueles que não sabiam diferenciar a mão direita da esquerda. Ele chama Judas, um servo de Mamom, qualquer moeda valia, para ele, mais do que um ser humano. A Zaqueu ele chama para estar com ele em sua casa, um homem rico, ficou rico nas custas dos outros, no exercício da extorsão, da desonestidade, a vileza, a falta de amor, aproveitando-se sempre da ignorância do povo.

Jesus chamou a escória da humanidade. E não vindo aqueles que deveriam vir - “os servos de Deus” - então Ele chama os mancos, os aleijados, leprosos... Não é bonita a cena do banquete. Qualquer um que chegasse a uma festa dessa ou pensaria que era uma entidade filantrópica, ou no mínimo um manicômio.

Pense comigo! Aleijados assentados ao chão, mendigos comendo à mesa, prostitutas bebendo e dançando e se alegrando, policiais corruptos, cobradores de impostos... Todos juntos, alegres, festejando. Seja sincero, meu caro. Isso parece uma pocilga, um curral de porcos.

Era assim que também os religiosos da época - fariseus, escribas e o povo que os acompanhavam - viram a coisa toda.

E quanto a eles, religiosos, corretos, obedecedores da lei (porque também havia gente séria no meio deles, como Paulo por exemplo), tidos como justos, santos, exemplares, o povo de Deus, o remanescente divino, a todos eles Cristo disse que haveria menos rigor, no dia do juízo, para Sodoma e Gomorra do que para eles; menos rigor para Nínive do que para eles. Quem não ouviu Jesus dizer “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o fazeis filho do inferno duas vezes mais do que vós”…“Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que te são enviados! quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste!”?

Essa Graça é entendível. Pelo menos muita gente entendeu e deu um jeito de matar Jesus.

Quem não entende que Cristo preferiu estar na “pocilga” diante dessa nuvem de testemunhas? Os justos? Ah! Esses ficarão de fora. Como aquela passagem do “reino tomado à força”, que, provavelmente, segundo Joachim Jeremias, alude à cena em que os religiosos cultuavam à Deus, porém, os rejeitados por eles faziam força para entrar e estar no meio deles, mas eram barrados. E Jesus diz então que aqueles, que faziam violência para entrar naquela reunião onde supostamente cultuavam a Deus entravam, entravam no reino, mas os religiosos zelosos ficavam de fora. “Eles – a escória – entra no reino, mas vocês ficam de fora”. “Senhor! Nós expulsamos demônios em teu nome!” – e ficarão de fora. “Não vim chamar a justos, mas pecadores”.

Numa hora dessas , penso em Nietzsche que afirmou tão categoricamente que Paulo, “com aquela insolência rabínica”, fala contra “a sabedoria deste mundo” quando diz que “a loucura de Deus é mais sábia que a sabedoria humana, e a fraqueza de Deus é mais forte que a força do homem... Mas Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios, e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes... Ele escolheu as coisas insignificantes do mundo, as desprezadas e as que nada são, para reduzir a nada as que são, para que ninguém se vanglorie diante dele”. Nietzsche pensou que Paulo falou isso contra o sistema filosófico, filológico, contra o “pensar”, contra o “super-homem”.

Nietzsche, meu caro! Era melhor você ter dado um tiro no pé do que projetar a sua insolência sobre Paulo!

Creio eu, se não tiver sendo também insolente, que Paulo viu Cristo, reconheceu-O, chamou de esterco tudo aquilo que era ele (Paulo) mesmo, e prosseguiu em direção Dele (Jesus). Ele viu que Cristo inverteu tudo, viu a vergonha que Ele causou aos santos, a humilhação que Ele causou aos que pensavam ser alguma coisa.

“Ele escolheu as coisas insignificantes do mundo, as desprezadas e as que nada são, para reduzir a nada as que são para que ninguém se vanglorie diante dele”.

Peço a Deus que tenha misericórdia de mim! Sou o mais desgraçado dos desgraçados! Como disse, nasci na apostasia antes mesmo de ter consciência própria, e agora esse demônio me rodeia sempre.

Eu fico por aqui, diante desse mistério.

“Eu lhes digo que muitos virão do Oriente e do Ocidente, e se sentarão à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no Reino dos céus. Mas os súditos do Reino serão lançados para fora, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes".

Com temor, e tremor.

sábado, 28 de agosto de 2010

DORES DO CORAÇÃO DE UMA MULHER


Vasto mundo de mistérios, segredos e magias
Mas tudo bem, nada disso, como dizem, “é à minha cara”
Na vastidão de mundos e dimensões, de paisagens...
Solidão. Hoje, preferi ficar em casa.

Achaste que andei por corpos de divagações
Por terras e mares desconhecidos
Quando na verdade, só, peguei meus livros
Estive em casa a compor canções

Pensaste que provei de outros gostos e cheiros
De outros sabores e amores
Mas hoje, peguei meus velhos hinos, cantei esperanças utópicas
Estive em casa relembrando algumas dores

E até acreditaste
Que fui para, talvez, não mais voltar
Tinha ido à cozinha, tomar um copo d’água
Estive em casa na vontade de chorar

Então, soluçaste pensando e chorando
A traição, o fim de nossos anos, e de tudo quanto aconteceu
Estive aqui, ali, acolá, sem rumo na vida a tomar
Estive em casa pelos cômodos, sozinho, a falar

Então, me ligaste desejando não me encontrar
Para teres certeza de que uma “outra” estava comigo em uma mesma cama
E quando ligaste, logo atendi, era a voz de quem queria ouvir
Estive em casa esperando ouvir a voz da mulher que me ama

terça-feira, 9 de março de 2010

SAUDADES




Depois de achar que não sentiria saudades de coisa alguma...

...Sinto saudades dos meus velhos amigos, das boas e antigas conversas. Da alma gritando, pedindo ajuda, oferecendo abrigo, cantando e contando a dor.

Sinto saudades daqueles tempos em que as conversas eram cheias de uma sinceridade perturbada pela existência e suas ditas "realidades"; na maioria das vezes surgiam deduções confusas e terminavam em razões inconclusas, mas eram cheias de vida. Era o fim da solidão, o compartilhar dela mesma.

Sinto saudades da proximidade que edificava, e edificava mesmo, construindo, tijolo a tijolo, um edifício forte, forjado na fraqueza, no confessar dos pecados um ao outro, o fim da solidão, de fato.

Sinto saudades daquelas frases em que se dizia "Não esperava isso, deu errado!", ou então, "Penso em começar de novo!".

Como eram edificantes todas essas conversas.

Hoje, se diz muita coisa e não há conversa alguma. Disputas e mais disputas sem ninguém ter declarado guerra a ninguém, assim, sutil e diabólica.

Hoje, o que é mau tem corrompido os dias da vida. Se por um lado a religião matava, agora as más conversações e companhias tem feito tal papel, matando, da mesma forma, a vida.

Hoje, os que se achavam cheios de si não sabem mais quem são, ou, se são. E parecem não fazer nem idéia de tal coisa.

Hoje, a dissolução da alma tem sido a coisa mais comum, e o comum é dissolvê-la.

Hoje, não há mais amigos, há interessados nos assuntos, lugares, festinhas, teorias novas... Um agrupamento do vazio espiritual.

Sinto saudades dos tempos antigos...

Sinto saudades disso tudo... E penso que já são coisas demais para se sentir saudades.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

FOI ASSIM... UM SONHO...



Foi mais ou menos assim... Um sonho...

Estava assentado ao chão e enconstado na parede da cozinha. Era uma casa de pertences caros e magníficos. Eu, ao chão, esperava algo, cansado, ocioso como se sentisse o grito do silêncio e o peso da brisa. Olhei ao lado e alguém vinha chegando do corredor. Era um rapaz de boa aparência, bem vestido, camisa clara de gola social, calças jeans de tecido visivelmente caro. Ele chegava como quem vai à cozinha tomar um copo de leite. Olhou para mim que estava ali sentado, tirou um arma, bela por sinal, preta, apontou em minha direção e disparou um tiro. Até então eu o via calmamente como quem sente que algo iria acontecer, e talvez acontecer nada já seria algo. Vi ele vagarosamente tirar a arma da cintura, apontar para mim... Não me movi, fiquei e esperei o ensejo daquela cena.

Estava eu lá assentando ao chão, recostado na parede, com um tiro na cabeça. Ainda ouviu a vida, os sons, via os movimentos. O tal rapaz tirou da arma o pente de balas e lançou aquela sobre minhas pernas. Se morto ou não, peguei a arma e apontei para ele, tentei acertá-lo sem ao menos saber o porque, talvez fosse para revidar apenas. A arma só estalou o gatilho mas estava sem munição. O rapaz que abrira a geladeira para tomar um copo de leite, olhou para mim como quem diz "se estivesse armada você me mataria!". Então tirou uma outra arma da cintura e atirou novamente, um tiro certeiro, na cabeça novamente.

Eu ainda ouvia os sons e o silêncio, sentia a brisa... Até que senti o lado esquerdo de minha face descolar do lado esquerdo e escorregar como que a metade de uma coisa qualquer arredondada, talvez como aqueles bombons que se parte e logo se derrama o seu recheio. Ao acontecer isso meu espírito saiu do corpo e se sentiu leve, solto, não mais preso pelas delimitações da existência terrena, como necessidades alimentares e outras mais básicas ainda; não era necessário nem mesmo o oxigênio. Aquele espírito simplesmente existia e não necessitava de nada para mantê-lo vivo. De súbito comecei a subir como quem ascende aos céus, porém, antes que isso acontecesse, fui desvanecendo junto ao ar, até sumir.

Do outro lado da existência estava aquele rapaz que havia dado o tiro. Tomando o seu cotidiano copo de leite. Aquele rapaz também era eu. Fui eu quem deu o tiro.

MEU AMIGO, ALGUMA COISA ESTÁ MUDANDO

Alguma coisa está mudando meu amigo E não sei bem o que é Mas se lembra quando tudo apenas se repetia Então mudanças já são boas...