Aquele amor que não quero que me ames
Amor de si mesmo
Amas a infelicidade do próximo
Amas com inveja
Desdém e desprezo há em teu amor
Ah! Esse amor de si mesmo
Amor que caminha de grade em grade
Desde que cante o pássaro feliz por tua prisão
Feliz por não vê-la, nem exergá-la em tuas mãos
Mãos que incitam servir
Contudo, o fato é que subtrais
Tomas, violentas, roubas a alegria
E o fazes com olhar piedoso
Com voz mansa e saudosa
Uma dissimulação forjada
A arte de um demônio
Hermético em sua transparência
Em seu riso, em sua bondade
Eis o teu demônio
Esse amor com que amas
Que nem mesmo se alegra com a alegria particular
Com a alegria que não é tua
A que é do outro
Nem mesmo podes alegrar
Acreditas mesmo que tu sabes, na verdade, o que é a alegria
O que é alegria para o teu próximo
São tuas grades, tuas correntes
Tua compaixão dissimulada
Escondes teu ódio e tua frustração
Escondes tua amargura, teu desespero
E projeta-os sobre o teu próximo
E cada um de teus desejos interrompidos
Tornam-se numa barra de ferro para o teu semelhante
E tens muitas delas, de sobra
Na verdade, que não se tornam
Mas tu, o artífice, transforma tuas misérias
Em aço bruto, em caverna em que moves a pedra para tapá-la
Queres manter dentro dela a irressurreição
Queres afogar a vida na escuridão
Contudo, não a tua, mas a do teu próximo
E chamas isso de amor
O teu amor
O teu amor particular
Dizes ser aquele modo que só tu aprendestes a amar
Aprendestes da vida, dos teus amigos, dos teus pais, do teu deus
Amor cruel, maldito
Amor de teu ventre, de teu próprio umbigo
Amor de teus intestinos
Fétido, pútrido, fecal
Ah! Esse teu amor que ama o que é mau
Que é teu bem, teu próprio bem
Bem de si mesmo e para si mesmo
Se teu próximo dança
Ridicularizas a música, não é a tua
O teu desafinado ranger de dentes
Se lê um poema para sua amada
Tu apagas as luzes
Se ele canta um outro amor
Sabe por esse outro não amada
Se ri de sua fantasia e inflige tua verdade
Tuas amarras, tua arbitrariedade
Teus fantasmas, teus medos
Teus pavores, tua desgraça
És tu dentro dessa gaiola
E sem sair dela procura a laços
Aqueles que queres arrastar para dentro do teu mundo
Pena!
É o máximo que se pode ter de ti
Pena!
Somente.