... Braços ternos o envolve. Terno amor, terna bondade e gratidão. Ele não existia e passou a ser. Olhos sobre ele de quem contempla o universo em suas mãos. A vida, uma vida inteira nos braços. Olhos admirados, estupefatos. Ele veio à luz mas reluziu mais que qualquer estrela seja de quinta ou sexta, ou ainda, sétima grandeza. O Criador entoou uma canção que só havia três pequenas palavras: “É muito bom”! Repetiu esse canto passeando pelo jardim, e o jardim também cantava, as aves dos céus cantavam, as feras do campo, os répteis, os peixes, o Sol e a lua, as estrelas, o vento assobiava não pelo seu canto, mas pela sua descontrolada dança. Era festa, os anjos estavam diante Dele e havia alegria diante de seus olhos, muita alegria. O recém nascido apenas, ainda de olhos fechados, recostava a sua cabeça nos seios maternos do Pai. Apenas descansava. Veio os primeiros anos e o Pai-Mãe era “coruja” demais da conta, como diria os mineiros. Ele vinha, brincava, falava um monte de coisas sem sentido fazendo voz de bobalhão e “pagando mico” pra toda a natureza ver. Os animais faziam “xixi no pêlo” de tanto rir do Pai-Mãe bobalhão. Ele ensinava a geografia do jardim da vida, mostrava-lhe as águas, ribeiros, libélulas fazendo pousos forçados nas pequenas lagoas... Parecia que quem veio à vida foi o Pai, quando descobriu a maternidade. O recém nascido apenas descansava contemplativamente de olhos fechados. Talvez estivesse mais interessado nos movimentos cadenciais do coração do Pai-Mãe, que ora acelerava e dizia-lhe algo que ele entendia, sentia que Ele estava feliz pelo acelerar do coração, e quando o coração se acalmava voltando aos batimentos cardíacos normais a criança sabia, Ele estava olhando ela, contemplando o seu descanso em plena confiança. O que? Se me lembro de tudo isso? Não, de fato, não. Só sei que sinto saudades. Saudades do que não me lembro, da nostalgia que me possui todo fim de tarde, bem ao Pôr-do-Sol. Quando uma criança acorda para a vida, ela é acordada abruptamente como quem deve acordar cedo e já está atrasado para o trabalho. Ela é acordada pela pressa, pela ansiedade, pelo caos, pelo mundo adulto, pela agonia, pelo medo, pelo poder, pela aflição, inquietação, desespero, pela morte. Ela tem que deixar de ser quem era, tem que ser o que o nosso mundo manda, adulto, idiota. Assim, todo o amor, ternura e bondade aprendidos pelo pulsar daquele coração bem aos seus ouvidos o dia todo, é substituído pelo pulsar dos ponteiros do relógio: o tempo substitui a eternidade. O Criador é substituído pelo “Eu Tenho”, o “Eu Posso”, “Eu Faço”, enfim, o predicado não importa muito, só o “EU”. Poucos são os que não se deixam levar, talvez, um insignificante número. Mas a criança tem saudade daquilo que ela não se lembra mais. O tempo substitui a eternidade, mas não a pôde matar. Ela continua lá, gemendo, saudade do seio da maternidade do Pai. Quem se lembra dos primeiros anos de vida? As primeiras horas, dias, meses? Todos nós estivemos lá. Viemos à luz. E o que vimos? Você se lembra? Lembra-se das batidas do coração da mãe fazendo-o dormir em confiança? Lembra-se da festa pela sua chegada? Não, estou convencido de que não. Mas a criança estava lá. Sentiu. Tocou. Se envolveu como nunca. Não é possível alguém, mesmo sendo ainda muito novo para guardar imagens na mente, ter esquecido tanta ternura, um encontro tão de alma. Sim, de alma. Talvez ela se lembre. Porque não? Os olhos ainda eram fracos de percepção, a mente ainda imprópria, o tato ainda sem saber o que de fato era... Mas a alma... Sopro do divino...! Ela fotografou, guardou a cena, registrou os momentos, os primeiros e todos os outros. Ela tem o filme com todas as cenas, todas as percepções. A alma. Pobre alma. Habita em trevas dentro do esquecimento. Alguns a trancaram dentro dos templos religiosos, outros em vícios, outros em vícios, outros em vícios, até mesmo, os vícios religiosos. A criança se tornou uma viciada na “realidade”. Vive pelas esquinas fumando estradas sem fim, sem perceber o caminhar em círculos, perdidas. Mas há crianças que desejam acordar, se contorcem por dentro. A alma fala e a criança grita por querer libertar-se. Mas é aí que acontece a maior tragédia. A criança até acorda, mas não vê a festa, não ouve o coração pulsar bem pertinho de seus ouvidos, não vê a natureza cantando mas gemendo de dor, não vê o Sol alegre mas em enfadonho trabalho de nascer e se pôr. Ela acorda e acorda sozinha, ninguém pode consolar sua opressão, não entendem. Se quiser chorar, tem de chorar sozinha. Se sorrir, tem de sorrir sozinha, as outras crianças perderam a arte de sorrir e de chorar. Então, tem de lembrar das estórias de um recém nascido... Ela descansa, fecha os olhos e se recosta nos seios do Pai e ouve o coração de uma Mãe. Sozinha ela visita o seu interior e vive a saudade do Eterno. Mas os olhos devem ser abertos novamente, então ela chora. Um dia retornaremos ao Primeiro dia de nossas vidas e teremos então toda a eternidade em descanso nos seios maternos do Pai , e não mais precisaremos fechar os olhos e nem chorar.
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